Carta a uma adolescente

Hoje vim à Berna a trabalho num dia cinza e chuvoso. A cidade me pareceu austera, as cores dos prédios góticos me pareceram ternas e tristes. Foi com sensação de reconhecimento e estranhamento que eu saí da estação de trem e olhei para a cidade. 

Não sei por que as pessoas me pareceram infelizes. 

A adolescente que eu fui viveu nesta cidade dos seus 13 aos seus 17 anos. Foi um período sofrido em casa, onde também me sentia desengonçada, feia e ilegítima nesta cidade onde o dialeto bernense é a principal barreira para a integração. 

Nunca me senti em casa aqui, nem à vontade com esse dialeto difícil. Nos comércios eu sorria muito e falava pouco, principalmente baixinho de vergonha de ser estrangeira e de não conseguir dominar esse idioma desafiante. 

Graças aos meus amigos adolescentes, tive momentos de graça, alegria e paquera inocente. 

Hoje percebo o quanto fui um personagem social e alegre na escola, porém uma alma penada dentro de casa. 

Aos meus 17 anos, a vida me levou para a Suíça francesa e foi amor à primeira vista. O francês me pareceu fácil e eu descobri um enorme espaço de liberdade e de reinvenção de quem eu era até então. Tudo o que antes eu considerava defeito, agora era valorizado. 

Eu absorvi o francês fácil e rápido,  pra mim era descomplicado em comparação ao alemão e ao dialeto bernense. As pessoas me pareceram mais abertas e isso me dava confiança. Mas na verdade, era eu que estava mais receptiva, confiante e menos complexada com os outros e isso fez toda a diferença. 

De repente ser estrangeira era ok, pois eu despertava admiração pelas várias línguas faladas (alemão, português, italiano e “portunhol”). Falar alemão na “francophonie”  (*fonética francesa) é causar sensação sem gastar um tostão! Eu já não tinha mais vergonha de me expressar de maneira espontânea nos comércios e de modo geral, então percebi que ali, a palavra falada era um terreno fértil para eu continuar a crescer e me desenvolver. Tudo fluiu e apesar das dificuldades, principalmente financeiras, me vi rodeada de anjinhos. Logo encontrei o grande amor da minha vida, o que foi para mim a coisa mais inesperada do mundo. 

Voltando hoje à Berna com 36 anos, só posso admirar e parabenizar a adolescente que eu fui. Essa adolescente conseguiu criar laços, ter otimismo e encontrar a energia necessária para explorar outros mundos. Viva a vitalidade da juventude!

“Ariella adolescente, neste período de descobertas, você conseguiu seguir adiante apesar dos medos, da ansiedade e da vergonha omnipresentes. A sua coragem e seu otimismo te levaram a pessoa que você foi, e a que eu sou hoje. Esses ingredientes são a ponte intemporal que nos liga, nos conecta e nos transcende. 

Obrigada querida adolescente. Sinta-se muito amada, guiada e apoiada. O que te faltou outrora ainda causa dor apesar de ter sido seu combustível. A adulta que sou hoje, está aqui para te amparar da forma que você precisar”.

Ariella Machado

Imagem: Julymilks by Stock Adobe

2 comentários em “Carta a uma adolescente”

  1. Ótimo texto! Perfeito! Parabéns!! Se acaso vc for a Ariella que estudou comigo na escola rosa saporski em Cambará no Paraná, Brasil!! Não tenho surpresas porque vc sempre foi inteligente e com notas excelente!! Em meados de 1993 terceira série do fundamental!!

    1. Olá Rodolfo,
      Muito obrigada pelo seu comentário. Estudamos juntos? Não sou boa de datas. Fiquei curiosa de como você chegou aqui no blog. Um abraço.

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